Calouros
Depois do estágio na IBM, eu passei no vestibular e, em 1992, entrei na universidade para cursar Ciência da Computação na UFMG. Tinha ido muito bem na prova, e cheguei me achando o máximo. Ainda assim, era um período de adaptação: novos colegas, novos professores, mais liberdade, mais independência e, claro, um nível de dificuldade bem maior.
Eu já programava em Pascal havia algum tempo e, como os cursos iniciais de programação usavam essa mesma linguagem, achei que seria fácil. E foi mesmo, pelo menos no começo. Mas o choque veio na primeira prova, quando escrevi um código cheio de breaks, goto e exit, uma coisa que mais parecia BASIC do que Pascal. A professora usou o meu programa como exemplo negativo para a turma toda. Foi uma aula dupla: sobre humildade e sobre boas práticas. Aprendi a estruturar melhor o código, e a turma toda avançava nas novas matérias de estruturas de dados e outros conceitos que viriam a ser fundamentais.
Além de me aprimorar em Pascal, entrar na universidade me trouxe algo ainda mais importante: acesso à internet. Na época, poucas pessoas tinham isso em casa. Alguns conseguiam se conectar a sistemas como as BBS, onde dava pra trocar mensagens, arquivos e baixar programas, mas tudo de forma bem limitada. As BBS não eram 100% online: os dados eram acumulados durante o dia e transmitidos à noite, de servidor em servidor. Era lento e, no fundo, mais parecido com trocar cartas do que com o que hoje chamamos de e-mail.
Em casa, a gente não tinha modem, então eu nunca tinha conseguido acessar nada online. Ter internet na universidade era uma maravilha. Mesmo assim, a conexão era lenta e compartilhada com todos os alunos. Ah, e vale lembrar: ainda não existia o www. Usávamos telnet, FTP, Gopher e e-mail, mas não havia navegador. No começo, pouca gente sabia o que era essa tal internet, e os poucos iniciados se reuniam nos laboratórios de computação para explorar. Com o tempo, o grupo cresceu, e a rede ficava cada vez mais congestionada.
Foi nesse ambiente que descobri as BBS online acessíveis pela própria internet. Elas permitiam conversar com pessoas de todo tipo e de vários lugares do mundo. Era um aprendizado informal, cheio de novidades. Alguns colegas descobriram os MUDs (multi-user dungeons), jogos de RPG online em que dezenas de pessoas podiam jogar juntas. Era uma novidade enorme. Estávamos acostumados a jogos individuais, no máximo duas pessoas com dois joysticks. Agora, jogar com dezenas de desconhecidos era algo revolucionário.
Com o acesso às BBS, aos MUDs e ao FTP para baixar software, havia sempre um grupo de alunos que passava mais tempo nos laboratórios do que nas aulas. A rede, já lenta, ficou insustentável. Os administradores decidiram “esconder” os programas mais usados, principalmente o telnet e o FTP. Mas nós já começávamos a entender um pouco mais do sistema. Um colega descobriu que os executáveis ainda estavam lá, apenas bloqueados. Cada um copiou pra si, renomeou o arquivo e continuamos usando, certos de que ninguém descobriria. É claro que descobriram. Fomos chamados para conversar e avisados para respeitar as regras de uso da rede. Saímos sem entender bem como os administradores nos acharam: ainda levou um tempo pra aprendermos que nem era tão difícil assim.
Sem telnet e sem FTP, o que restava era o e-mail. Comecei então a explorar o que dava pra fazer por ali e descobri um mundo inteiro de listas de discussão. Entre elas estava a famosa virus-l, onde pesquisadores do mundo todo trocavam artigos e debatiam sobre vírus de computador. Eu já tinha um histórico de interesse pelo tema, então mergulhar nesse ambiente foi fascinante. A quantidade de informação era enorme e diferente de tudo o que havia na biblioteca: notícias e descobertas recém-publicadas, ainda quentes.
Uma das coisas que aprendi foi baixar arquivos por e-mail. Soa meio torto, mas funcionava: bastava enviar uma mensagem para o email do servidor com os dados do arquivo desejado, e ele fazia o FTP pra você devolvia o conteúdo por e-mail. Assim, baixava artigos e, o mais importante, as atualizações dos antivírus.
Claro que o laboratório também era usado para os trabalhos do curso. Nos intervalos entre uma BBS, um MUD e um ftpzinho, a gente programava. Os alunos viviam trocando disquetes para gravar seus projetos, e alguns computadores já tinham disco rígido, o que era um luxo. Com tanta troca, os vírus apareciam com frequência, e manter o antivírus atualizado era essencial, pelo menos pra mim.
Até que um dia apareceu um vírus diferente. Mas essa história fica para o próximo capítulo.